Antes de nascer o mundo (Mia Couto)

No próximo sábado, dia 13 de agosto, acontecerá a quarta edição do Clube do Livro Penguin + Companhia das Letras na Livraria Cultura do Shopping Bourbon Country (Porto Alegre). O encontro será das 16h às 17h, no auditório da livraria, e o romance escolhido para a discussão é o Antes de nascer o mundo, do escritor moçambicano Mia Couto.

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O  texto de hoje foi escrito em forma de itens porque quis elencar as razões pelas quais considero Antes de nascer o mundo um romance perfeito:

 1. O enredo, apresenta-se difuso no início, porém, o romance termina com perfeição, superando todas as minhas expectativas;

 2. A narrativa de Mia Couto é leve e a prosa é poética, de uma beleza semelhante à prosa de Guimarães Rosa;

 3. O romance mostra dois tipos de conflitos, o interno e o externo. Interno, de Silvestre consigo mesmo, consigo e com sua loucura, e o externo, dele com sua família e da  tribo com o restante do mundo. Jerusalém, terra prometida, é o delírio do pai materializado em busca de isolamento do restante do mundo. O trauma do velho influencia na percepção de realidade do filho Mwanito pois ele insiste na negação da identidade pela negação da memória.

 4. Diferentemente do que é informado na orelha do livro,  considerei o livro “engajado” sim. Pois o mesmo pinta, o tempo todo, e desde o início, as mazelas de Moçambique. Talvez o que o autor da orelha queira dizer é que Mia Couto não faz reivindicações explícitas em seu texto. Como se um texto precisasse mostrar explicitamente algo para ser “ideológico” (Oi? Todo romance é ideológico…) ou “engajado”. É sublime a maneira como o autor trabalha a situação das mulheres em Moçambique e da situação crítica que é a AIDS naquele continente. Não é necessário levantar bandeira com estardalhaço para tratar de determinados assuntos em um romance.

 5. O romance todo é sobre a mulher. Não apenas em termos da narrativa, do enredo e das personagens (que encerram o ciclo narrativo). Mas também com relação à voz narrativa: Mia Couto dá voz às suas personagens femininas.

 6. Por fim, Antes de nascer o mundo é o tipo de livro que me faz ter inveja de escritores como Mia Couto. Inveja das imagens criadas pelo autor, dos personagens construídos, da trama que se encerra perfeitamente, da linguagem simples, sutil e ao mesmo tempo riquíssima desse escritor contemporâneo. Queria que os escritores de língua portuguesa fossem mais como ele. Aliás, queria eu ser um pouco assim também.

Boa leitura!

Edição:

COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das letras, 2009.

Campeonato Gaúcho de Literatura (Jogo 8) – Edição 2011

Foi publicado ontem, no site oficial do Gauchão de Literatura, a arbitragem que fiz para o jogo de número 8 entre os romances A Amante do Lobo, de Ana Paula Fohrmann e Aurum Domini: o outro das Missões, de Simone Saueressig. Há exatamente 1 ano, participei da edição 2010 do evento cujo foco principal era analisar 27 livros de contos.

Fiquei muito feliz por saber que há uma quantidade enorme de escritores e escritoras publicando (só nessa edição do campeonato foram 48 ao total) e que uma iniciativa como essa do “Gauchão” (como carinhosamente chamamos por aqui) serve para veicular a produção literária do estado para todo o país.

Esse ano a disputa foi, de certa forma, mais tranquila, pois os romances, além de conferir unidade à narrativa, são ambos muito bem escritos e de leitura agradável. No entanto, como se trata de uma competição, era preciso escolher o vencedor.

Quer saber qual ganhou? Confere aqui :)

Clube do Livro Penguin + Companhia das Letras na Livraria Cultura

Próximo sábado, dia 09 de julho, acontece o encontro do Clube de Leitura Penguin + Companhia das Letras na Livraria Cultura de Porto Alegre (shopping Bourbon Country).

O encontro acontecerá das 16h às 17h e o livro a ser discutido é o Diário da Queda, do brasileiro (gaúcho) Michel Laub, que estará presente na conversa.

Comecei a ler o livro hoje enquanto aguardava atendimento médico e já posso adiantar que o romance é interessantíssimo! Falarei mais sobre ele mais adiante no clube do livro e, claro, por aqui.

Boa leitura!

Ainda dá tempo de ler o romance e participar! :)

A caixa-preta (Amós Oz)

Finalmente, depois de alguns meses, consegui aparecer por aqui. Compromissos profissionais e acadêmicos acabaram adiando a sequencia de publicações que eu pretendia fazer. Pois então, retomemos o ritmo sem demora.  :-)

Antes de chegar na leitura do romance, preciso explicar como cheguei até ele. Há mais de um mês, comecei a fazer parte do clube de leitura da Livraria Cultura (de Porto Alegre) com a editora Companhia das Letras. Mês passado, a reunião se deu em função da leitura de Papéis Avulsos, do Machado de Assis. Decidi não escrever nada sobre ele aqui, pois havia lido o livro em 2007 e não tive tempo de relê-lo na íntegra para o encontro e para o post, apenas rememorei alguns dos meus contos favoritos (como o “A chinela turca”, um dos nomes mais engraçados para um dos contos mais legais do autor). Já para o segundo encontro, ocorrido no sábado passado, decidimos proceder com a leitura do romance A caixa-preta, do israelense Amós Oz, um dos livros mais interessantes que já caíram em minhas mãos. Em primeiro lugar porque a sequencia narrativa é composta por uma série de correspondências e telegramas trocados entre os personagens, caracterizando a “caixa-preta” do relacionamento entre os mesmos.

Essa narrativa não tradicional joga para o leitor a responsabilidade de fazer as emendas e montar o quebra-cabeça narrativo. Além disso, a experiência de discutir esse livro em um clube de leitura é singular, pois juntos (estávamos em seis pessoas) contribuímos para esclarecer pontos do enredo que não ficaram claros e produzimos, em conjunto, as mais diversas interpretações acerca das atitudes dos personagens. Trocar experiências de leitura com um grupo de amigos (pois assim considero os que fazem parte do clube de leitura) sem as formalidades acadêmicas ou a necessidade de trazer leituras originais ou comentários “brilhantes” fortalece a interpretação de uma narrativa como a de Amós Oz.

Basicamente, o enredo trata de um casal separado, Alec e Ilana, que voltam a se corresponder depois de sete anos e um divórcio traumático para os dois (ele, nos Estados Unidos e ela, em Israel) a propósito do filho Boaz que, rebelde e violento, foge de casa e da escola. Michel, o segundo marido de Ilana também faz parte do conflito, influenciando as negociações de valores que serão destinados ao futuro do adolescente. A narrativa fragmentada origina toda uma diversidade de vozes e pontos de vistas, articulando desejos, humilhações, sensações de impotência e, principalmente, ambições dos personagens. Acarretando, em mais de um momento, uma inversão simbólica dos papéis, pois, inicialmente os vilões da história (Alec e seu advogado Manfred) passam por um complexo processo de “humanização”, ao passo que Michel, em função de seu fanatismo religioso acaba por destruir o universo em que Ilana está inserida.

Um dos aspectos que chama a atenção na leitura de A caixa-preta é perceber como as leis restringiam (não sei se a situação permanece) a ação de Ilana. Todo o seu sofrimento decorre de sua impotência diante de seu marido, ex-marido e seus respectivos advogados. Primeiramente, porque desistiu de fazer um exame de tecidos, o que comprovaria que Boaz era realmente filho de Alec, perdendo, assim, direito à assistência e pensão, deixando mãe e filho na miséria. Depois, quando perde Yifat para os advogados de Michel, acusada de traidora quando tudo o que fez foi cuidar de Alec com câncer.

Absolutamente todos os conflitos do livro se dão em função de dinheiro e ganância. Mas é interessante perceber como, ao longo da narrativa, os personagens “pivôs” do conflito (Alec e Michel) trocam farpas, acusações, ofensas, ameaças etc. mas participam de um movimento de egos que ora avança sob o adversário, ora assume a culpa diante da miséria do outro, provenientes de realidades tão distintas. O que me fez pensar no quão difícil e ao mesmo tempo no quão nobre é um simples pedido de desculpas. Esse jogo exaustivo mostra que não há culpados ou inocentes, ou melhor, que não há inocentes quando se trata de disputas por bens e somas em dinheiro.

Boa leitura!

Edição:

OZ, Amós. A Caixa-preta. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Obs:

(1) Fiquem de olho na próxima edição do clube do livro. É de graça e ocorre em um sábado pela tarde. Todos são bem-vindos! (Divulgarei as informações por aqui)

(2) Aos curiosos, que gostariam de saber os motivos pelo qual não escrevo mais aqui com tanta freqüência, é que agora trabalho numa empresa desenvolvendo um site sobre literatura brasileira. O www.soliteratura.com.br (desculpem, mas precisava fazer uma propagandinha básica, rs)

Citação

Em tempos de exclusões, fundamentalismos e genocídios, violências estatais e institucionais, assim como de vários outros níveis de violência que assolam a vida cotidiana, a literatura comparada representa um campo de conhecimento que fortalece o gesto na direção do outro, esse lugar intraduzível em sua diferença e, por isso mesmo, medida de uma humanidade que deve ser realizada em toda a extensão da vida social. (SCHMIDT, 2010 : 11)

SCHMIDT, Rita Terezinha. Sob o signo do presente: intervenções comparatistas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010.

The Cement Garden (Ian McEwan)

Resolvi dar um jeito na lista de livros emperrada ao redor da minha cama (meu quarto mais parece um depósito de livraria mal-assombrada), começando pelo The Cement Garden, do inglês Ian McEwan. Soube da existência desse romance quando li Atonement, pois na minha edição (paperback, Anchor Books, 2007) havia uma sinopse de outros livros do mesmo autor. Vou reproduzir, na íntegra, o que li a respeito de The Cement Garden, para justificar minha escolha de leitura, nada aleatória:

First father died, then Mother. Now the four children are left alone in a house that looks like a castle strandled amon grim high-rises. Free of supervision, free of restraint, they can do anything. As long as they keep the house’s secret. In this masterpiece of psychological disquiet, McEwan excavates the ruins of childhood and uncovers things that most adults have spent a lifetime forgetting — or denying.

Li em algum lugar que esse é o romance de estreia do autor, e fiquei impressionada com a qualidade do trabalho de McEwan. O romance é relativamente curto, porém, sua narrativa é densa. Aliás, é uma das melhores que já li nos últimos tempos dos autores dos últimos tempos. É preciso ter muita coragem (e ser, no mínimo, um pouco perturbado) para escrever algo semelhante ao que ele escreveu.

McEwan usa fórmulas emprestadas dos romances góticos dos séculos XVIII e XIX (quem nunca viu um esqueleto no armário? um cimentado no porão?) para compor sua narrativa gótica contemporânea que não deixa nada a desejar ao velho Poe. O romance apresenta um enredo verossímil (diferente dos romances góticos que apelam para o sobrenatural ou para a violência extrema): após a morte dos pais, quatro irmãos (sendo a mais velha uma adolescente) precisam permanecer juntos e evitar que o governo os envie para adoção e os afaste da casa onde moram (e que agora serve de sepultura para a mãe).

A perda da noção de tempo pelos olhos de Jack, o narrador e protagonista, mostra um personagem corroído pelo trauma de ter presenciado a morte do pai enquanto os dois cimentavam o jardim e, mais tarde, de ter cimentado o cadáver da própria mãe no porão da casa. McEwan explorou bem o universo desse personagem, que se revela quando contrastado com as duas irmãs. Enquanto acreditamos naquilo que os olhos de Jack nos mostra, percebemos o quão perturbada sua percepção de vida está quando entra em conflito com Sue e Julie.

Outra personagem emblemática é Bob, o irmão mais novo, talvez o único a sofrer com a ausência dos pais e de uma figura autoritária (materna ou paterna) a reger a casa. Logo após a morte da mãe, Bob passa a querer se vestir como uma menina pois, em sua cabeça, ser uma delas é mais fácil e menos doloroso quando se é criança. A relação mais óbvia (sobre a qual não irei discorrer) seria associar o “desvio” de Bob à ausência da figura paterna na casa. Prefiro acreditar que McEwan não incorreu a esse recurso óbvio e que a construção da personagem tenha se dado em função da proximidade dele com o universo feminino, agora sua única opção de refúgio (e cujo acesso é vetado a Jack, que não compreende o mecanismo de funcionamento do novo lugar em que a casa se transformou).

Partindo para o óbvio então, não há como não recorrer à metáfora da casa como a própria mente. Afinal, é lá que se escondem as maiores aberrações, os medos, os desejos proibidos, a transgressão, o imoral, o inconcebível, o violento. Em suma, a ficção como terreno propício para explorar o que a mente assedia, criando acontecimentos bizarros que norteiam o enredo até então, além do desejo incestuoso de Jack por sua irmã Julie.

Há uma resistência na trama quando o personagem Derek aparece. Namorado de Julie, o rapaz (um jogador de sinuca profissional) se dispõe (quase impõe) a “adotar” a família de Julie por pensar que os quatro irmãos precisam de uma figura paterna caso queiram permanecer juntos naquela casa. Ele também demonstra grande interesse no imóvel, que é grande e deve valer muito no mercado, embora se encontre em um lugar afastado e praticamente sem vizinhos.

Por fim, saliento que o romance merece destaque por instigar ao mesmo tempo atração e repulsa em uma história original sobre relações dentro de uma família e sua reestruturação em face à perda dos pais.

Boa leitura!

Edição:
MCEWAN, Ian. The Cement Garden. London: Picador, 1980.

obs: ainda não assisti o filme, acho que vou locar na videoteca do campus, quando as aulas recomeçarem. :)

The Brooklyn Follies (Paul Auster)

Depois de quase um mês sem aparecer por aqui (culpo o calor de Porto Alegre que, por sua vez, é o culpado pela minha preguiça constante em fazer leituras que não sejam para o trabalho) finalmente publico o texto sobre a primeira leitura de 2011 — iniciada ainda no finalzinho de 2010. The Brooklyn Follies é um livro bom, interessante e rápido de ler. Sem contar as interrupções forçadas pela modorra de fim de ano, pela preguiça mórbida e pela leve inclinação natural à procrastinação quando Porto Alegre atinge os 40ºC, creio que o tenha lido em três ou quatro dias.

O romance conta a história de um senhor de idade, Nathan que, ao descobrir ter câncer de pulmão, decide se mudar para o Brooklyn, em Nova York, e por lá ficar até o fim de seus dias. Aposentado, divorciado e carregando uma série de arrependimentos nos ombros, Nathan tem apenas mais uma ambição em sua vida: escrever o The Book of Human Folly, uma reunião de diversas pequenas histórias sobre

every blunder, every pratfall, every embarrassment, every idiocy, every foible, and every inane act I had committed during my long and checkered career as a man. When I couldn’t think of stories to tell about myself, I would write down things that had happened to people I knew (…). (AUSTER, 2005:5)

Lá suas únicas preocupações são coletar material (histórias) para a composição do livro e prestar atenção em Marina, a garçonete do restaurante onde costuma fazer suas refeições. Porém, um encontro inusitado o põe novamente em contato com Tom Wood, seu sobrinho (filho de sua irmã), que trabalha em uma loja de livros usados e raridades após ter abandonado uma “brilhante e promissora” carreira acadêmica.

No início pensei que boa parte do livro seria dedicada ao fracasso de Tom, pois, no início do livro Nathan deixa claro que esse é um dos, senão o maior, drama da vida do sobrinho. Do ponto de vista de Nathan, ter largado a vida acadêmica para virar motorista de taxi em Nova York e, depois, ter cedido ao apelo de Harry para trabalhar em sua loja de livros usados parece ter sido um retrocesso na vida de Tom:

It wasn’t that he had ever wanted a great deal from life, but the little he had wnated turned out to have been beyond his gasp: to finish his doctorate, to find a place in some university English department, and then spend the next forty or fifty years teaching and writing about books. That was all he had ever aspired to, with a wife thrown into the bargain, maybe, and a kid or two to go along with her. It had never felt like too much to ask for, but after three years of struggling to write his dissertation, Tom finally understood that he didn’t have it in him to finish. Or, if he did have it in him, he couldn’t persuade himself to believe in the value of doing it anymore. So he left Ann Arbor and returned to New York, a twenty-eight-year-old has-been without a clue as to where he was headed or what turn his life was about to take. (AUSTER, 2005:23)

Até entendo a questão do status que uma vida acadêmica brilhante pode trazer. Mas não me pareceu que Tom estivesse realmente incomodado com isso. Às vezes, “retroceder” em alguns aspectos da vida pode significar um avanço em outras blablabla etc. Na minha opinião, a perspectiva de vida que Nathan tem sobre os desejos de Tom demonstram, sim, um retrocesso causado pela incompreensão da individualidade do sobrinho.

Outro aspecto que, na minha opinião, poderia ter sido melhor desenvolvido é o pano de fundo histórico. O romance se passa entre a corrida eleitoral de 2000 (que levou George W. Bush à presidência) e os ataques ao WTC em 2001. Porém, são pequenas menções por parte do narrador ou dos pesonagens que situam o leitor no contexto. Talvez a leitura de Extremely Loud & Incredibly Close, do Jonathan Safran Foer e Everyman, do Philip Roth, tenham contribuído para que eu esperasse mais disso no Brooklyn Follies, afinal, estou me esforçando para tentar “entender” as tendências da literatura contemporânea dos Estados Unidos. Não só daquele país, mas parece ser uma tendência e uma recorrência produzir romances cujos personagens são já senhores de idade, como Brooklyn Follies, Everyman e Slowman, do J. M. Coetzee (cito esses pois são os mais recentes da minha lista).

O ponto alto do romance é a aparição misteriosa de Lucy, sobrinha de Tom. Confesso que não sou nenhuma profunda conhecedora de crianças, mas tive a impressão, em alguns momentos, de que Auster está descrevendo uma criança de uns, talvez, não mais que cinco anos quando, na verdade, é dito que Lucy tem nove anos. Confesso que foi difícil me convencer de que a criança retratada no romance tem nove anos.

Como dito anteriormente, o livro é bom. E interessante. Mas não chega a ser do tipo “remarkable” ou “highly remarkable”, com um grande conflito além do paradeiro de Aurora, irmã de Tom e mãe de Lucy, que, na minha opinião, se mostrou o grande drama do romance. Ao que tudo indicava, o câncer de Nathan e o fato de Tom ter abandonado a vida acadêmica seriam os grandes motes do livro. O que incomoda um pouco é, próximo do final do livro, as “resoluções” no estilo novela da Globo. Não que sejam ruins, muito pelo contrário. Elas até que são verossímeis, mas algumas situações eu achei meio ‘deus ex-machina’ demais. Acho melhor encerrar por aqui senão acabo contando o final do romance.

Boa leitura!

Edição:

AUSTER, Paul. The Brooklyn Follies. London: Faber and Faber, 2005.

A Doll’s House (Henrik Ibsen)

Acabou o semestre. YÉ!

Prometi a mim mesma que leria e escreveria cada vez mais, mas tá difícil (e eu tô cansada!). Fiz muitas leituras teóricas de fim de semestre, como deu para imaginar, e as poucas obras de ficção que têm passado por mim ou são quadrinhos (e tenho publicado alguma coisa sobre eles no site O Café) ou foram algumas coisas perdidas para a faculdade.

O texto de hoje, então, é sobre uma dessas leituras perdidas que fiz, há algum tempo já, na faculdade. A Doll’s House não estava no currículo de nenhuma das cadeiras, mas resolvi apresentar um trabalho sobre o Ibsen e foquei a análise nessa peça. Minha intenção era mostrar como alguns aspectos retratados na peça escandinava se assemelhavam àqueles estudados até então na disciplina de literatura inglesa com os autores das ilhas britânicas. Afinal, Ibsen é considerado uma das grandes influências não apenas do teatro, mas da literatura inglesa (e europeia, claro) de modo geral e o segundo nome do teatro no continente depois de Shakespeare. Vários críticos atribuem a fama de Ibsen na Europa a sua capacidade de fazer retratos realistas tanto da esfera pública quanto da esfera privada que se assemelhavam muito à realidade vivida nos países em processo de modernização do continente europeu.

Suas peças do “período realista” têm como pano de fundo alguns dos temas que formarão boa parte da literatura escrita no século XX, como: a industrialização dos modos de produção, a relação entre os trabalhadores e os empregados, a influência dos Estados Unidos e da cultura norte-americana na Europa, o casamento e a emancipação feminina, sempre criticando o sistema econômico vigente, a burguesia e o moralismo vitoriano. Talvez esses sejam os motivos pelo qual a encenação de suas peças ficou proibida na Inglaterra durante dez anos.

A cena inicial da peça é uma das mais lindas que já li nesses últimos tempos. É tão singela que chegou a me emocionar (e olha que meu coraçãozinho de pedra não é muito chegado em emoções desse tipo): um jovem casal, Nora e Helmer, expressa a felicidade em comemorar o natal junto, com direito a árvore de natal e presentes para os filhos, sem dificuldades financeiras. Nesta cena inicial, Nora chega em casa com uma árvore, brinquedos e doces e ela e o marido se abraçam, pensando no quão diferente esse natal será dos anteriores.

Com o desenrolar da história, a atmosfera iluminada e aconchegante da casa é desfeita com o revelar de um segredo aos espectadores: Nora, há alguns anos, havia salvo a vida de seu marido às custas de uma dívida feita com o sócio dele. Nesse esquema, Nora havia falsificado a assinatura do próprio pai para obter o dinheiro necessário. Agora, o “vilão” ameaça contar para o marido, através de uma carta, o crime da esposa.

A tensão fica presente nos esforços de Nora e de Christine Linde, uma amiga de infância, em evitar que a carta chegue às mãos de Helmer. Nora entra em desespero ao cogitar a possibilidade de ver seu segredo revelado ao marido, o que certamente arruinaria sua vida e sua honra perante os filhos. O que Ibsen tenta mostrar é como as leis das mulheres se diferenciam das “leis dos homens”. Ao passo que sua personagen primou por salvar uma vida a qualquer custo, sua atitude foi repudiada pelos homens da história. Quando Helmer descobre a verdade, sua primeira reação é a de acusar a esposa de hipócrita e mentirosa, arrependendo-se quase que instantâneamente ao receber outra carta, do mesmo remetente, desfazendo a intriga.

Porém, Nora, tomada de consciência, dá-se conta de que nada disso teria acontecido se seu marido e seu pai a tivessem preparado para o mundo dos negócios e a tivessem ensinado as questões legais e, claro, se tivessem educado para que jamais precisasse recorrer a meios escusos para a obtenção de dinheiro para salvar o marido e a família.

Ibsen mostra uma afinidade para com a luta em prol da igualdade de gênero embora, quando questionado, tenha respondido que não possuía nenhum tipo de vínculo com as organizações pelos direitos das mulheres do final do século XIX e início do século XX. “Engajado” ou não, Ibsen deixa registrado um dos diálogos mais singelos e mais interessantes que já li:

HELMER. But this is monstruous! Can you neglect your most sacred duties?

NORA. What do you call my most sacred duties?

HELMER. Do I have to tell you? Your duties towards your husband, and your children.

NORA. I have another duty which was equally sacred.

HELMER. You have not. What on earth could that be?

NORA. My duty towards myself.

(IBSEN, 1995: 586)

* * *

Então, desejo a todos uma ótima leitura.

Edição:
IBSEN, Henrik. A Doll’s House. Translated by Michael Meyer. In: KLAUS, Carl H. GILBERT, Miriam et al. Stages of Drama: Classical do Contemporary Theater. New York: St. Martin’s Press, 1995.

obs (1): a foto do post foi tirada nesse site aqui e mostra Betty Hennings, a primeira atriz que interpretou Nora no Det kongelige Teater em Copenhagen.

obs (2): ainda estou devendo meu top10 2010 de leituras pro Roberto Denser. Fique tranquilo que publicarei aqui assim que o fizer.

Sombras e Sonhos (Álvaro Domingues)

Faz um certo tempo que passei a receber umas HQs da Balão Editorial e bem fiquei surpresa quando me enviaram, há alguns dias, esse livro de contos. Como foi gentilmente enviado, não poderia deixar de registrar minhas impressões aqui. Embora esse blog seja resistente às ditas “parcerias”, abri uma exceção, afinal de contas, considero o livro como um presente. Porém, nem por isso deixei de ser criteriosa com relação à avaliação, como sou com todos os livros que têm passado por aqui ultimamente. Consequência disso é que meus livros estão quase sempre rabiscados à lápis (claro, as canetas eu arrebento no sketchbook) e com post-its e flags coloridas da 3M.

Percebi que nunca havia rabiscado tanto um livro como esse. Interessante, porque isso significa que, embora o livro já seja, por si, recheado de referências com outros elementos pertencentes ao cinema, à literatura gótica, à psicanálise, consegui criar a minha própria teia de referências e trazê-las para esse texto.

O livro em questão é formado, basicamente, de contos, microcontos e algumas incursões do autor pela poesia. Os títulos são muito interessantes e já mostram para que vieram: textos cuja temática principal é o sonho. Além disso, a publicação vem para fomentar a produção nacional de material em ficção científica (como é o caso das publicações Ficção de Polpa, da Não Editora que se encaminha para seu quarto volume de contos do gênero).

Sombras e Sonhos trata, basicamente, de um labirinto de ideias dentro de sonhos que, por sua vez, estão dentro de sonhos. Meus contos favoritos são, justamente, aqueles em que os personagens se entrelaçam em um emaranhado de sonhos, questionando a validade da realidade e rompendo com as estruturas do convencional.

Os enredos são, em sua maioria, muito interessantes mostrando que além de ser leitor de ficção científica, o autor mostra conhecimento teórico em diversos pontos. Um deles, sem dúvida, é com relação ao Sublime, conceito trabalhado por Edmund Burke e por Kant. No entanto, minha ressalva com relação ao conto cujo título é homônimo recai justamente no que, na minha opinião, dá o graça ao Sublime: a sensação de terror e, ao mesmo tempo, de prazer causada pelo distanciamento entre o sujeito e a situação de extrema e assustadora beleza. No conto em questão, as sensações provocadas pelo instrumento “Sublime” despertam mais beleza e deleite do que propriamente a sensação de grandeza, medo e/ou de uma natureza assustadora (mas deixemos esses para os romances góticos…).

O que chamou minha atenção, no entanto, foi a quantidade de textos cuja voz narrativa e/ou ponto de vista do narrador está centrado em personagens femininas. Logo na introdução (de autoria de Roberto de Souza Causo) é dito que algumas personagens são idealizadas. Acrescentaria que as narradoras também o são. Entendo que a ficção científica formou, ao longo de suas décadas de existência, principalmente com o advento do cinema, uma série de estereótipos femininos, bem como das relações delas entre os homens e entre elas e os próprios filhos e filhas. No entanto, como leitora, confesso que em certos momentos cansa se ver representada initerruptamente como um objeto de desejo. Afinal, um dos propósitos da literatura (e um dos mais legais!) é permitir que os leitores se identifiquem com os heróis, suas proezas, seus conflitos, seus sentimentos… no entanto, chateou-me o fato de que as únicas personagens (e narradoras) passíveis de gerar qualquer identificação não corresponderam as minhas expectativas.

Espero que o apelo fina do autor, presente no Tempo, seja atendido. E que ele jamais deixe de escrever, porque a escrita é uma grande leitura pessoal do mundo.

Boa leitura!
E obrigada, Balão Editorial, pelo presente!

Edição:
DOMINGUES, Álvaro. Sombras e Sonhos. São Paulo: Balão, 2010.

The Bell Jar (Sylvia Plath)

Como já era de se imaginar, não consegui seguir com a referida lista de leituras do post anterior. Fiz uma espécie de cronograma mas acabei arrombando a linearidade dele ao perceber que alguns prazos foram se aproximando. Logo, minhas leituras nunca seguem um critério muito formal. Vou lendo conforme os títulos se avolumam na minha frente (dos lados, em cima da mesa de cabeceira, em cima das mesas, das cadeiras, empilhados no chão…), não necessariamente na ordem em que eles vão aparecendo e, enquanto esse blog permanecer sendo um blog pessoal e não do tipo patrocinado por editoras, como muitos blogs sobre literatura que tenho encontrado por aí, continuarei postando o que quiser e quando quiser.

Soube que minha orientadora pediu para que eu e minha colega apresentássemos The Bell Jar na cadeira que ela ministra, portanto, interrompi tudo o que estava fazendo (um milhão de trabalhos de tradução, versão e revisão) para me deliciar com a leitura da Sylvia Plath. A primeira coisa que veio em mente foi: por que esse livro está no currículo da disciplina? E não demorei muito para descobrir.

Basicamente, Esther Greenwood é uma estudante brilhante de 20 anos que passa a questionar a validade de sua carreira como futura escritora quando a mesma se vê gastando suas energias em um concurso para escritores perante às revistas femininas novaiorquinas. O tempo passado em Nova York, a relação com sua família e com o antigo namorado de colégio levam Esther a um profundo estado de depressão.

Após procurar um psiquiatra, sua situaçao só piora ao ponto em que Esther é submetida a uma sessão de eletrochoque. A partir daí, pensamentos e tentativa de suicício marcam a derrocada da personagem principal frente a sua redoma de vidro. Lendo sobre a vida e obra de Plath, descubro que ela mesma, enquanto desdobrava-se entre a vida doméstica e a carreira (professora e escritora) lutava contra a redoma de vidro, e que  The Bell Jar é um romance autobiográfico, contando os momentos iniciais da vida da escitora, porém, com cores ficcionais para distinguir os personagens reais de sua vida com os da ficção.

Li em algum lugar (acho que foi na introdução dessa edição) que The Bell Jar é considerado o “equivalente” do Catcher in the Rye, do Salinger. Li este último há uns dois anos e não consigo encontrar lá muitas semelhanças. Tá certo que o The Bell Jar lembra o Catcher in the Rye pelo fato de que a personagem principal não se adequa e nem faz questão de se adequar ao meio no qual ela está inserida… fora isso… não sei, o personagem principal do romance do Salinger me pare meio fatalista e violento, e não vejo muito disso na Esther. Preciso reler o romance e repensar toda essa ideia!

Será que naquela época ninguém se ligou que “terapia” com choques elétricos, na verdade, desencadeava traumas que só pioravam a situação dos pacientes? Acho que, como a maioria dos pacientes eram mulheres que não se satisfaziam com a situação que lhes era imposta (família, filhos, escravidão no lar etc), os médicos preferiam mutilá-las mental e intelectualmente para não permitir que elas andassem soltas e descobrissem o mundo por is próprias. Como a maioria não podia simplesmente sair da redoma de vidro em que estavam presas, passavam a desenvolver “patologias” como a histeria e a depressão. Esse tipo de tratamento deveria ser considerado um crime. E o que mais me choca é o fato de que ele era aplicado aqui, em Porto Alegre, no então sanatório São Pedro.

Boa leitura, boas reflexões and boas lágrimas.

Edição:
PLATH, Sylvia. The Bell Jar. New York: Harper Perennial, 2005.